O Correio entrevistou o assessor jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Yuri Niwa Wani Marubo, que trabalhava na equipe de Bruno Pereira
Representante e assessor jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Yuri Niwa Wani Marubo trabalhava na equipe do indigenista Bruno Araújo Pereira. Ele afirmou que o assassinato do colega foi uma grande perda para o país. “Quem ganhou foi a organização criminosa, e quem perdeu foi o Brasil, porque Bruno era a maior autoridade para o reconhecimento dos povos isolados no país”, enfatizou. O indígena da etnia Marubo também relatou um temor: “Estamos muito preocupados com a nossa segurança. Não sabemos como será depois desse caso e como ficarão as lideranças”. Veja os principais trechos da entrevista.
O Vale do Javari tem problemas sérios há, aproximadamente, quatro décadas e só vem se potencializando. Este governo é algo que foge da concepção, não dá suporte para nenhum dos órgãos que atuam na região: Funai, Ibama e Polícia Federal. Falo por conhecimento de causa. Antes, a Univaja tinha um trabalho coletivo com esses órgãos. Nos últimos 10 anos, tudo ficou bem ruim. Hoje, a PF tem seis homens em Tabatinga para cuidar da fronteira, o governo não dá condições mínimas para a polícia de Estado fazer seu trabalho. Não tem condições de fazer operações com esse contingente em 8,6 milhões de hectares, um local que é praticamente do tamanho de Portugal. O governo já perdeu todo o controle da região.
O que tem acontecido com as pessoas que tentam fazer um trabalho de fiscalização no
Vale do Javari?
As mortes de lideranças — seja indígena, seja quilombola ou missionários — é uma covardia que vem ocorrendo de Norte a Sul no país. Isso ocorre devido à ausência do Estado nos locais isolados. Quando há essa ausência, recai um peso exacerbado junto às organizações, indígenas ou dos povos tradicionais, um papel que não é delas. Passam a fazer um papel de Estado, de governo, de polícia, de Exército. O certo deveria ser esses agentes fiscalizarem, comunicarem o que ocorre dentro das comunidades indígenas, e o que está acontecendo é o inverso. Nós não temos o poder de polícia. O que temos é um conhecimento da área indígena e acadêmico. As lideranças indígenas contribuem e ajudam essas organizações junto à Justiça (Federal) e ao Ministério Público Federal (MPF), e ficamos à mercê da própria sorte. Falo por todos que fazem o trabalho, que mostram o rosto na mídia, enquanto os criminosos não têm o mínimo de consideração com o ser humano.
Estamos muito preocupados com a nossa segurança. Não sabemos como será depois desse caso e como ficarão as lideranças. No nosso meio, já se fala em formas de proteção por causa dos fatos dos últimos cinco anos. A morte do funcionário da Funai (o indigenista Maxciel Pereira, morto a tiros na avenida principal de Tabatinga); o assassinato de sete korubos por madeireiros dentro da TI na década de 1960; a disseminação de doenças, pescadores e madeireiros que fazem esse contato sombrio levando doenças; são vários fatores que fazem essa terra ser sem lei. O Estado não tem nenhum equipamento, pessoal ou logística para frear esse comportamento criminoso que tem acontecido na terra indígena. Vamos sentar ainda para decidir o que fazer para a nossa segurança, porque não podemos fazer justiça com as próprias mãos. O que se pensa é em sentar com a coordenação (da Univaja) e com autoridades e pensar no caminho seguro para as questões de segurança, porque não queremos praticar nenhum crime, como andar armado, mas sem porte, por exemplo. Queremos respeitar a legislação brasileira e, para isso, precisamos seguir os requisitos. Não vamos passar a atacar os madeireiros, é somente uma questão da nossa segurança.
Quem ganha e quem perde com a morte de Bruno?
Quem ganhou foi a organização criminosa e quem perdeu foi o Brasil, porque Bruno era a maior autoridade para o reconhecimento dos povos isolados. Esse é um trabalho delicado, não é feito de imediato. Passa-se por um processo de aprendizado, envolve conceitos teóricos do meio ambiente, da fauna, da flora e dos rios. Tem que ter conhecimento de vivência dentro da selva. Ou seja, para preparar um homem como o Bruno leva tempo, muito tempo, não é só na faculdade. Depois de passar por todo esse processo é que (o indigenista) passa a ter o contato (com os povos indígenas). Envolve uma cosmologia, que é uma parte espiritual dos povos indígenas, em que se acredita ser necessário respeitar para ser respeitado e não tentar levar a religiosidade do mundo ocidental para as TIs. Por isso, nos sentimos impotentes. As autoridades foram comunicadas, a PF, o MPF, a Funai, a Justiça foram comunicados, e nada foi feito. Postergaram o problema. A morte dele deixa uma lacuna enorme que nem o governo brasileiro vai conseguir preencher a curto prazo.
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