O presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), senador Acir Gurgacz (PDT-RO), anunciou nesta quinta-feira (23) a “reanálise” de seu parecer ao Projeto de Lei (PL) 1.459/2022, que altera a legislação relativa aos agrotóxicos, ou pesticidas. O anúncio foi feito ao final da segunda audiência pública da CRA nesta semana para instruir o projeto.
— Procuro não deixar projetos parados aqui na comissão. Temos que avançar para não deixar projetos pendentes. Retiro a publicação do relatório para reanálise, em função do debate que tivemos nestas duas audiências públicas. É importante ouvir o Ministério da Agricultura, a Anvisa e o Ibama — explicou Gurgacz.
Na audiência desta quinta, como na véspera, debatedores apresentaram argumentos contrários e favoráveis à proposta, que é um substitutivo da Câmara dos Deputados a um projeto de 1999 do então senador Blairo Maggi. Para os defensores, a proposta moderniza a legislação sem prejudicar os mecanismos de fiscalização. Para os adversários, ela enfraquece os órgãos de controle e abre a possibilidade da aprovação e uso de produtos nocivos ao meio ambiente e à saúde humana.
Três senadores se manifestaram durante a audiência, fazendo restrições ao PL.
— É o “projeto do veneno”, não tem como não dizer. Não sou contra o agronegócio, mas ele resolveu agora atacar literalmente a segurança alimentar, os direitos humanos e o meio ambiente — lamentou Zenaide Maia (Pros-RN).
Eliziane Gama (Cidadania-MA) fez uma série de questionamentos sobre dispositivos do PL que, no seu entender, enfraquecem o controle do registro e uso desses insumos. Paulo Rocha (PT-PA) elogiou a contribuição dos palestrantes, reconhecendo os argumentos dos dois lados, e defendeu uma tramitação menos célere.
— Projetos desses demoram muito aqui porque mexem com essa sensibilidade — observou Paulo Rocha, autor de um dos requerimentos para a realização da audiência.
No final da reunião, Acir Gurgacz leu mensagem do senador Roberto Rocha (PTB-MA) em defesa da aprovação do projeto.
Professor sênior da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), José Otavio Menten ponderou que o aumento do número de pesticidas registrados nos últimos três anos não é necessariamente negativo:
— Não existe uma relação entre número e uso. É benéfico termos muitos produtos registrados, porque temos um espectro de ação diferente e mais competição. A gente só usa esses produtos quando necessário.
O diretor-técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Reginaldo Minaré, acusou os adversários do projeto de querer “voltar ao século 16”:
— Nenhum agricultor acha bacana ir à loja e falar: “Vou comprar muito agrotóxico hoje”. Esse produto é caro. Esta lei [o projeto] não flexibiliza. Ao contrário, ela deveria estar sendo desejada por todos, estabelece um sistema muito mais interessante.
Engenheira agrônoma e representante na audiência da ONG Greenpeace Brasil, Marina Lacôrte rebateu a afirmação de que os ambientalistas querem voltar ao século 16:
— O que queremos é chegar ao fim do século 21 e muito mais: com nossos filhos.
Ela expressou “profunda preocupação” com a realização de apenas duas audiências públicas sobre o tema, número que considera pequeno.
Já a pesquisadora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) Karen Friedrich opinou no sentido de que o PL cria um âmbito maior para a ação de produtos nocivos:
— Vai aumentar o risco de aparecimento de doenças nas populações expostas, principalmente os agricultores, suas famílias e as pessoas no entorno.
O representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Rioja Arantes, apresentou um estudo inédito feito por sua instituição, mostrando que de 24 produtos ultraprocessados de origem animal, 14 apresentaram agrotóxicos nocivos à saúde ou ao meio ambiente, como o glifosato.
Agrotóxico ou pesticida
Parte do debate centrou-se na questão da nomenclatura usada na lei e no projeto. A lei atual (Lei 7802, de 1989) emprega o termo “agrotóxicos”, considerado pejorativo por representantes do agronegócio, que defendem “pesticida”, como está no PL 1.459.
— A sensação que a gente tem é que [a mudança] seria com o objetivo de tentar criar uma falsa sensação da segurança com produtos químicos que têm um impacto muito grande à saúde humana — afirmou Eliziane Gama.
Reginaldo Minaré, da CNA, traçou um histórico do uso de “agrotóxicos”, atribuindo a consolidação do termo ao professor da USP Adílson Paschoal e ao ex-senador Pedro Simon, ministro da Agricultura na época em que a lei entrou em vigor.
— Quando meu avô ia pulverizar alguma cultura, falava que ia “bater remédio” nas plantas. [Pesticida] é um nome que está se procurando introduzir para ter um alinhamento com a nomenclatura da FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] — disse Minaré.
Para a pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Thuanne Bráulio Hennig, a questão “é muito mais política e social que de caráter opinativo”. José Otavio Menten, da USP, por sua vez, afirmou que “só no Brasil” usa-se o termo agrotóxico.