Desde 2018, produto tem selo de indicação geográfica
No coração da Amazônia, está a cidade de Maués, conhecida como a capital do guaraná. Ali, tanto a população rural quanto a da cidade consome no seu dia a dia a fruta que, para os indígenas Sateré-Mawé, significa “a fonte de sabedoria”. Apesar da região não ser mais o principal fornecedor do país, a qualidade e as certificações obtidas pelos produtores locais conseguiram mudar a vida de quem vive de plantar e colher o fruto.
Antes mesmo da chegada dos portugueses ao Brasil, os indígenas das etnias Sateré-Mawé e Munduruku já produziam o guaraná. Séculos depois, mesmo com a popularização do consumo, o plantio nem sempre era vantajoso para o agricultor. O produtor Adeílson Gomes de Souza, conhecido como Dedeco, lembra do quanto vendia há alguns anos. “O preço do guaraná chegou a uma crise que foi a R$5 o quilo. Hoje, a gente está vendendo a R$45”, conta.
O processo é trabalhoso, do plantio, passando pela colheita manual, separação do caroço, lavagem, torra e moagem. A Associação dos Produtores de Guaraná da Indicação Geográfica de Maués reuniu quem quis se adequar ao padrão de qualidade exigido pela IG e conseguiu espaço no mercado. Dar um diferencial para o guaraná de Maués foi a saída encontrada pelos produtores.
A região de onde o fruto é originário já não é mais a maior produtora do país. A Bahia hoje é responsável por 67,7% do produto no Brasil, apenas 18,4% é feito na Amazônia, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). “Maués continuou produzindo o guaraná como mil anos atrás, com um processo diferenciado, que deve ter um público diferenciado”, avalia Luca D’Ambros, que mantém uma agroindústria com matéria-prima enviada pelos produtores.
D’Ambros é italiano e se apaixonou pela Amazônia após participar como voluntário de um projeto social. Hoje, processa o guaraná e o transforma em produtos para consumo. E também conseguiu reduzir as distâncias entre o produtor e o consumidor, fazendo a entrega para São Paulo em até 2 dias. “Consegui entregar com segurança, rapidez e rastreabilidade da origem do produto que o mercado quer e, do outro lado, eu vejo o impacto que esse tipo de comércio tem para as comunidades locais”, conta.
Um dos diferenciais do guaraná de Maués, além da qualidade, é valorizar a tradição. Uma das formas de comercialização é em bastão, feito a partir da massa do guaraná umedecida e socada. Depois de 10 dias secando, o bastão é vendido para o consumidor, que vai ralando o produto aos poucos, de preferência em uma pedra ou na língua seca do pirarucu. “O bastão é um produto bem vendável, é muito procurado na região”, conta Deco Pereira, um dos produtores desse formato.
Para ele, a criação da associação fortaleceu o produtor e, por meio dela, foi possível ir muito mais longe. “Se nós não tivéssemos esse pensamento de ser sócio, talvez a gente estivesse na metade desse trabalho que a gente tá fazendo hoje. A associação tem mais força também de buscar conhecimento, recurso e fortalece a cadeia produtiva”, afirma Deco.
O guaraná se tornou a principal atividade para quem tem a certificação. “É o produto que a gente sonha para poder ter um barco, poder comprar uma voadeira, uma rabeta [tipos de barcos utilizados na região], construir uma casa melhor”, afirma Dedeco. Um sonho que vem acompanhado do orgulho de fazer um cultivo que vem sendo passado de geração para geração. “O guaraná pra gente é tudo, a gente trabalha não só pensando no dinheiro, mas também no amor que a gente tem por ele, por isso a busca de sempre fazer um dos melhores produtos do mundo”, conclui.